O número de diagnósticos de autismo tem aumentado nas últimas décadas. Isso levanta muitas perguntas e, inevitavelmente, também aponta para possíveis culpados. Entre eles, um nome tem ganhado destaque nas discussões: o Tylenol (paracetamol), usado com frequência durante a gestação para aliviar febre e dor. Mas será que esse medicamento é, de fato, responsável pelo crescimento dos casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA)? Ou estaríamos diante de uma leitura simplificada demais de uma condição tão complexa? Vamos refletir sobre o que a ciência realmente sabe até agora e o que ainda não pode afirmar.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição de origem multifatorial e complexa. Sua base é predominantemente genética, envolvendo múltiplos genes, mas também pode ser influenciada por fatores ambientais durante a gestação. Entre esses fatores, destacam-se a exposição a certas substâncias químicas, infecções, prematuridade, complicações fetais e a idade avançada dos pais. A interação entre predisposição genética e influências externas contribui para as diversas manifestações do TEA.
É importante lembrar que, no passado, havia menos diagnósticos não porque houvesse menos casos, mas porque faltavam profissionais especializados e famílias que buscassem ajuda. A minha profissão por exemplo, neuropsicopedagogia, chegou ao Brasil somente em 2006. Pode ser que muitas pessoas que eram vistas como “esquisitas” ou “difíceis” na família provavelmente estavam dentro do espectro, mas não tiveram esse reconhecimento.
Nos últimos anos, surgiram debates sobre a possível relação entre o uso de paracetamol (Tylenol) na gestação e o aumento do diagnóstico de autismo. O paracetamol atua inibindo a síntese de prostaglandinas, o que modula a serotonina e promove efeito analgésico. Entretanto, afirmar uma relação direta entre o uso desse medicamento e o TEA é precipitado.
Aqui entra um ponto essencial: correlação não é causalidade. Estudos de correlação, citados pelos Estados Unidos da América, podem mostrar que duas variáveis variam juntas, mas isso não significa que uma causa a outra. Por exemplo, se observamos que crianças que consomem mais fast-food têm menor desempenho escolar, isso não significa que o fast-food, por si só, seja o único responsável — podem existir várias variáveis envolvidas, como sono, rotina familiar ou estímulo escolar.
Já nos estudos de causalidade, busca-se comprovar que uma variável realmente provoca a mudança na outra. Um exemplo é o uso de determinados medicamentos antiepilépticos que reduzem, de fato, as crises. No caso do paracetamol, ainda não há comprovação científica de causalidade com o autismo. Faltam evidências de que o medicamento cause alterações biológicas específicas, como falhas na neurogênese, na migração ou organização neuronal, que sustentariam uma explicação plausível para o TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Vale lembrar que, durante a gestação, várias situações podem levar ao uso do paracetamol, como infecções com febre. Mas o próprio quadro infeccioso, independentemente do uso do medicamento, já é um fator de risco para alterações no neurodesenvolvimento fetal. Ou seja, não podemos reduzir o debate apenas ao remédio em si.
Outro ponto importante é a questão do folato (vitamina B9). O ácido fólico sintético, geralmente usado na suplementação, precisa ser convertido pelo organismo para a forma ativa (L-metilfolato ou ácido folínico). Muitas pessoas apresentam dificuldades nessa conversão, o que pode impactar o desenvolvimento neurológico do bebê. Por isso, a suplementação adequada é um cuidado preventivo essencial na gestação. Pode ser que você ingira o ácido fólico e não seja absorvido pelo seu organismo, entende.
Além disso, fatores modernos também influenciam o neurodesenvolvimento: excesso de corantes e conservantes na alimentação infantil, poluição ambiental, exposição a telas precocemente, e até mesmo a sobrecarga de estímulos. Em alguns países, certos aditivos alimentares (como refrigerantes, sucos industrializados entre outros) já são proibidos em escolas justamente por seus efeitos negativos.
No caso do paracetamol, sabe-se que seu uso repetido pode reduzir os níveis de glutationa, um dos principais antioxidantes do corpo, tornando o organismo mais vulnerável ao estresse oxidativo. Isso, no entanto, não é suficiente para afirmar que ele cause autismo. O que podemos afirmar é que a prevenção, por meio de hábitos saudáveis — boa alimentação, sono de qualidade, redução de substâncias químicas desnecessárias — é sempre o melhor caminho.
Por fim, cabe uma reflexão: será que o aumento dos diagnósticos de TEA se deve apenas a fatores ambientais recentes, como o uso do Tylenol?
O autismo não pode ser explicado por uma única causa. É um espectro vasto, com múltiplas origens e expressões. Reduzi-lo a um “vilão” como o paracetamol seria simplificar demais uma questão tão complexa. O que precisamos é de mais pesquisa, mais informação e, sobretudo, mais cuidado com a saúde integral das famílias e das crianças.













